INFORMAÇÕES DA MÚSICA

Payada do Negro Lúcio

Jayme Caetano Braun

CD Payadas (1993)

Vou tenteando na cambona
Já bem abaixo do meio,
Lá pras bandas do rodeio
Ouço um berro de mamona;
Aqui guitarra e cordeona,
Chimarrão - fogo de anjico;
O sol já com braço e pico
Neste final de janeiro
Que vai indo mais ligeiro
Do que soldo de milico!

Mateando - meio solito
Porque o patrão e a peonada
Já saíram pra invernada,
Há muito tempo - cedito,
O sábado está bonito
E a indiada aqui da fazenda
De tarde - se vai a venda
E aos bolichos do caminho,
Ou então - beber carinho
Nos braços de alguma prenda!

Mas enquanto eu chimarreio
Neste morrer de janeiro,
Meu pensamento chasqueiro
Se aviva - mascando o freio
E sai - a pedir rodeio
Nas lembranças - retoçando;
Eu me paro - recordando
As falas do negro lúcio,
Muito maior que confúcio
Pra filosofar trançando!

E ele sempre me dizia,
Enquanto tirava um tento,
Naquele linguajar lento
Cheio de sabedoria:
- a noite é a ilhapa do dia
Na argola da escuridão,
É quem garante o tirão
Em todas as lidas sérias,
Neste varal de misérias
Que é a existência do cristão!

Deus não fez rico nem pobre,
Peão - patrão ou capataz,
Isso é o destino quem faz
E - como é - não se descobre,
O nobre que nasce nobre
Nem sempre assim continua;
Pra beleza da xirua
Ou cavalo de carreira
Não adianta benzedeira,
Nem reza ou quarto de lua!

Enquanto filosofava
Naquele estilo sereno
O semblante do moreno
Parece - se iluminava,
A vivência é que falava
Naquela conversa mansa
E - no fundo da lembrança,
Inda o escuto reafirmar:
- parar não é descansar
Porque estar parado - cansa!

Dele mil vezes ouvi
O que tem que ser - será,
Por longe que o homem vá
Jamais fugirá de si
E com ele eu aprendi
As cousas da natureza,
A fidalguia - a franqueza
E aquela velha sentença:
- atrás da cinza mais densa
Existe uma brasa acesa!

E chego a ouvi-lo fazer
Junto dum fogo de chão,
Uma grande distinção
Entre existir e viver;
Filho, dizia - morrer
Não é mais do que uma viagem,
Por isso não é vantagem
O forte fazer alarde
Que - às vezes - pra ser covarde,
Precisa muita coragem!

Inda vejo o conselheiro
Que evoco com devoção
Naquele estilo pagão
De confúcio galponeiro
Que me dizia: parceiro
Nesta existência brasina,
Cada qual traz uma sina
Que força alguma desvia
E nada tem mais valia
Que as coisas que a vida ensina!

Filho - a verdade - verdade
Que nenhum sistema esconde
É que o povo não tem onde
Suprir a necessidade
E vive pela metade
Abaixo de tempo feio,
Vai explodir - já lo creio,
A tampa dessa panela,
Nem adianta acender vela
Pro negro do pastoreio!

Como encontrar os perdidos
Num país deste tamanho,
Se venderam o rebanho
E os homens foram vendidos,
Se os chamados entendidos
Falam de cara risonha
Defronte a crise medonha
De estelionatos e orgias,
Quem mente todos os dias
Vai ficando sem vergonha!

Aqui o rio grande isolado
Pela mão pátria madrasta,
Dia a dia - mais se afasta
Do poder centralizado,
Mesmo que guaxo pesteado
Botado de quarentena,
Quanto ao capataz - que pena,
Não serve para o rio grande
Na hora de ficar grande
Se abatata e se apequena!

Na hora de dizer: pára!
Àqueles que nos ofendem,
Desrespeitam - desatendem
Ao rio grande tapejara,
Não sei porque - esconde a cara,
Quando a ocasião é mostrá-la,
Calçar o pé - erguer a fala
Porque esta terra pampeana
Não é a "casa da mãe joana"
E nem tão pouco senzala!

Não é ofensa - capataz,
É que os homens desta terra,
Adquiriram na guerra
Direito de estar em paz,
Dentro dum clima capaz
De viver em harmonia,
Sem toda essa vilania
De boicotes e de ameaça
Que estão fazendo - de graça
À velha capitania!

A própria carne importada
Lá de fora - é um desaforo,
E o calçado - há tanto couro
E gado nesta invernada
E arroz da safra passada,
Pra que essa compra mesquinha,
Querem nos dobrá a espinha
E nos cortar a garganta,
Mas rio grande - não se espanta
Como se faz com galinha!

Que lindo se - o presidente
Em vez de passear na europa,
Passasse em revista a tropa
Deste país continente
E num gesto inteligente
Viesse ao rio grande fronteiro
Que já era brasileiro
Antes mesmo de vespúcio
E levasse o negro lúcio
Pra servir de conselheiro!

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PATRÃO

A maior autoridade de uma Estância, Fazenda ou CTG.

POVO

Vila, distrito.

CAPATAZ

Segunda autoridade de um estabelecimento rural (Estância, Fazenda ou Grânja), de uma Tropa ou de uma Charqueada.