INFORMAÇÕES DA MÚSICA

Um Domingo no Resbalo

Telmo de Lima Freitas

CD Poesias (2001)

Toldei um baio a preceito,
Já se findava a semana.
Fui cantar a queromana
Na Invernada do Resbalo,
E foi dos maiores “palo”
Que já dei quando travesso,
Fiz um piá virar do avesso,
Num encontrão de cavalo.

Quando cheguei no bochincho,
Que escutei a de “oito-baixo”,
Tocando um vanerão macho,
Dos de arrancar pessegueiro,
Até o meu baio-oveiro,
Por incrível que pareça,
Rinchando, ergueu a cabeça,
Escarceando de faceiro.

Boleei a perna na frente
Para olhar o sarandeio.
Dali um poquito se veio
Um famoso desordeiro,
Se enfiando no mosquiteiro
Que nem piolho em costura.
“Chuliei” direito à cintura
E relampeou a marca Coqueiro.

Já fiquei me balanceando
Que nem pelincho no arame,
Pensando num rolo infame
Que às vezes se promove.
Mas deixa que se retove:
Isso é fogo que se apaga.
Cortei doce co’a minha “daga”,
Hoje quero que alguém prove.

Fiquei segurando o baio
Pela ponta do cabresto.
E um mulato, com pretexto
De “torito” mui valente,
Falando entre os dentes:
- Amigo, o mosquiteiro
É pequeno pra potreiro,
Tire o matungo da frente!

Encarei pro índio maula,
Respondendo a “piruada”:
- Desculpa, estou de cruzada,
Não danço aqui no Resbalo.
Mas sei que tu és o galo
Aqui deste rinhadeiro,
Vou montar no baio-oveiro,
Mas vou dançar a cavalo.

- O nojo desse moleque!
Gritou a dona da casa.
E mesmo que gato em brasa,
Pulou a parda entonada,
Erguendo a tranca oitava,
Furioso o rabo de saia,
Mais braba do que lacraia
De soiteira sapecada.

E foi quando oitavei o corpo,
E a tranca cruzou de viagem.
A parda tinha coragem,
Mas afrouxou o garrão.
Co’a bainha do facão,
Lhe soltei no recavém
E saiu quem-que-che-chem,
Que nem cusco em procissão.

Mas o mulato aporreado
Mandava na rapariga.
Puxou dum marca Formiga,
Me largando de pranchaço.
No primeiro pegotaço,
Rebati com muita ciência,
Demonstrando a experiência
De bater aço com aço.

E aí saímos peleando:
Umdava, outro rebatia,
Naquele instante se ouviam
Choromingos de facão.
No segundo pegotão
Que me largou de estouro,
Já chegava de namoro,
Consegui “dá” um beliscão.

Larguei de fio, sem piedade!
Só vi quando “coloriou”.
E o facão despencou,
Saindo sem direção.
Quando prestei atenção,
A minha “daga” valente
Cortou beiço, língua e dente,
E o nariz caiu no chão.

Pensei que daquele feita
Pudesse arrastar as fichas,
Mas um tal de “Lagartixa”
Resolveu me tentear,
Me soltando pelo ar
Um facãozito três listas.
Na hora, faltou-me a vista,
Me cortando o polegar.

Aí fiquei parecido
Abelha que se alvorota.
Ameacei de canhota
E troquei de mão ligeiro,
Mas o moleque arruaceiro
Disparou que nem guaipeca.
Lhe aparei sem muita seca
O contrapeso traseiro.

O culpado não fui eu
De fazer esse estropício.
Desde piá tive por vício
De sair campear bochincho,
E me topei co’o capincho
Que por maleva era tido,
E fiz sair mais espimido
Do que guisado em curincho.

Assim terminou um aparte
Num domingo no Resbalo.
Depois monte a cavalo
E saí pro corredor.
Este vago cantador,
Cortando o rumo ao contrário.
Até hoje o comissário
Procura o meu parador.

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INVERNADA

Subdivisão de uma Fazenda; designa também, departamento de um CTG (Entidade Tradicionalista).

PIÁ

Guri.

PELINCHO

Restos de pêlos de animais, que ficam nos alambrados.

ROLO

Briga, conflito.

MATUNGO

Cavalo de pouca qualidade.

CUSCO

Pequeno cachorro (o mesmo que guaipeca).

CAMPEAR

Procurar ou buscar no campo.

MALEVA

Malfeitor, desalmado, mau e perverso.