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Mangueira de Pedra

Paisagens Perdidas (1994)

Jayme Caetano Braun

Velha mangueira crioula,
Curral de pedra empilhada
Que até o pastor da manada
Bombeia com desconfiança,
Ficaste como lembrança
Da infância desta querência
Guardando a mesma inocência
Dos brinquedos de criança!

Dizem que foi o jesuíta
Que te ergueu nas solidões,
Da fronteira, das missões
Do litoral e da serra
Para que fosses a encerra
Das primitivas tambeiras
E das éguas caborteiras
Mais livres que a própria terra!

E te plantaram no campo,
Com metro e meia de altura,
Meia braça de largura, redonda ou de cantoneiras;
Quatro varas nas porteiras roliças e descascadas
Como lanças encravadas no buraco das fronteiras.

E, alí, no aberto, aprumada, remendo na cesmaria
Te irmanaste com serventia ao laço e à boleadeira
Qual outra nota campeira da nossa Sociologia
Prenuciando a trilogia: rampão, rodeio e mangueira.

Depois, ao berrar do gado e ao relinchar da tropilha
Viste surgir na cochilha um casarão empedrado
E o vulto desempenado, de rampão de rente aberta
Com santa fé na coberta para um bugre empenachado.

Era o galpão do Rio Grande, era a estância que surgia
Vertente da economia do Brasil Meridional
Com um abraço cordial aberto na natureza
Exprimindo a singeleza do velho pago natal.

E se galpão foi o templo da xucra democracia
Tu foste a arena bravia onde gladiadores novos
Perpetuaram corcovos uma epopéia sem fim
Pra que teu rude clarim fosse ouvido noutros povos.

E na estranha sinfonia
De Corcom e de Marquascaço
De perra de tiro e de laços
Nas monarcas dos galpões
Nas tomas demarcações
Junto ao fogão da amizade
Tu foste o traço da igualdade
Entre endierras e os patrões
E tivestes os teus verões.

Velha mangueira retaca
Desde o que há de botar vaca,
Artes do poema campeiro
Até o chiru pataqueiro
Que, para enlevo das chinas
Fazia rédea das crinas
Do potro mais caboiteiro.

O tempo foi se passando, modoiicou-se a querência
Mas tu não perdeste a essência
Pois mesmo de varejão e até mesmo de listão
Com tronco, seringa e brefe
O teu vulto ainda reflete a infância do nosso rincão.

Aos próprios irracionais emprestas calor e afeto
Pois mesmo aberta e sem teto és vivenda hospitaleira
E a vaca que foi campeira fica por ti enfeitiçada
Passa o dia na invernada e vem dormir na mangueira.

Ao evocar-te,Mangueira, volto à piazinho pequeno,
Pés molhados de sereno e, às vezes, blusa de chiado
Campiando vacas estraviadas choramingando de nojo
Pra depois, beber a bojo, com gosto de madrugada.

Por isso, não admira Mangueira da minha infância
A este pobre pia de estância o que tu significas
Como tu, sequei meu pranto mas continuo aporriado
Até ser emangueirado na terra do campo santo.


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