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O Espírito de Bento

Sob a Luz da Poesia (2009)

Odilon Ramos

Setembro
Candeeiro aceso
Instalou-se o acampamento
É intenso o movimento
Em torno a chama que brilha

O chinaredo em tropilha
Retoçando em alarido
Veio emprestar colorido a semana farroupilha

Lá de um rancho fumacento
Passando perto se ouvia
Uma gaita que gemia
E um violão resmunguento
Um gaudério pacholento
Recitava uma poesia
E um borracho dormia
Junto de um cusco ao relento

Alolargo
Recendia um cheiro de carne assada
E entre causos e risadas
A cachaça desfilava
Se um taura desafiava
Pondo a parceria a prova
Já se atracavam na trova
E o povo se aglomerava

Em baixo da lona grande
Ensaiava uma bailanta
Não importa quem toca ou canta
Se tem barulho, se dança
É velho, é moço, é criança
A tradição os iguala
Na escaramuça baguala
Que parte desta festança

Mas se a canha corre frouxa
Um índio mau instruído
As vezes perde o sentido
Desta comemoração
O amor a tradição
E a reverência ao passado
Vai se deixando de lado
Em nome da diversão

E assim foi que sucedeu
Uma prendinha de trança
Pouco mais que uma criança
Com seu vestido rendado
Num caminhar descuidado
Vinha passeando inocente
Quando surgiu um demente
Escarceando um aporreado

Era o diabo este cuiudo
Trazendo um louco no lombo
Surrava, ameaçava um tombo
Gritava pra toda gente
Lá vou eu. saiam da frente
Investia em escaramuça
Cheio de canha na fuça
Com rompantes de valente

Já bem perto da mocita
Deu de rédea e esbarrou
Mas o potro escorregou
Porque a grama era molhada
E de pata levantada
Na resbalada que vinha
Pexou na pobre mocinha
Que caiu desacordada

Revoltou-se a gauchada
E o tipo foi bem surrado
Uns relhaço bem puxado
E uns planchaço de facão
Se não fosse o pelotão
Que já vinha em seu encalço
Este fanfarrão palhaço
Não saia inteiro não

A moça foi socorrida
Graças a deus teve sorte
A atropelada foi forte
Mas não causou gravidade
E em meio a barbaridade
Daquele incidente atroz
Um general ergue a voz
E fala com autoridade

Gauchada. pare a gaita
Peço que me dê tenência
Eu tenho a voz da experiência
Pelos anos que já vivo
É preciso estar ativo
Para colher a lição
Pois toda a má situação
Tem seu lado positivo

Quem de vocês que aqui estão
Sabe dizer porque veio
O acampamento está cheio
De gente que desconhece
Que a tradição é uma prece
Pra se rezar ajoelhado
E o pago é um templo sagrado
Que o patrão nos oferece

Quem sabe o que significa esta comemoração
Que houve uma revolução
E a pampa foi sacudida
E epopeia vivida pelos nossos ancestrais
Que pelos seus ideais
Entregaram a própria vida
E vocês hoje o que são
Gaúchos bons e altaneiros
Ou um bando de cachaceiros
Como este que aqui passou

A surra que ele apanhou
Saindo de lombo quente
Deve doer em mais gente
Que merece e não levou

A tradição minha gente
É uma herança, um legado
Que o gaúcho do passado
Deu em confiança aos de agora
Quem este fato ignora
Mesmo um gênio ou um artista
Não é tradicionalista
E deve assistir de fora

Por isto, neste momento
Peço a cada um que ajude
A ensinar a juventude
Que este princípio e preceito
A tradição é o respeito
É honrar o fio de bigode
É fazer tudo que pode
Em defesa do direito

É o costume que passa
De uma a outra geração
É a crença, a devoção
Que o pai ao filho transmite
É um amor sem limite
Que rega com sangue o chão
Isso tudo é tradição
Que violar não se admite

Por isso, é que aqui estamos
Gaúchos buenos e guapos
Pela honra dos farrapos
Que a espada abriram trilhas
Pelo ideal dos farroupilhas
Que ao falar eu me apaixono
Esta terra ainda tem dono
São nossos filhos e filhas

O povo escutou calado
E no final bateu palma
E o taura com muita calma
Depois daquela lição
Pegou o chapéu na mão
E exclamou com voz de guapo
Viva o rio grande farrapo
Viva a nossa tradição

E sem dizer mais palavra
Montou no pingo e partiu
Foi em direção ao rio
E a neblina o devorou
Um comentário ecoou
Por todo o acampamento
O espírito de bento
Hoje por aqui passou


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