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Manecão do Mundo

Poesias (2001)

Telmo de Lima Freitas

Ao tranco lerdo dum “lazão” prateado,
Meio estropiado de medir o chão,
Aquele homem que já foi tropeiro,
Aquele homem que já foi campeiro,
Sempre calçando bota de garrão,
Espora grande, lenço colorado,
E aquele olhar tranquilo e bonachão,
Poleou a perna dando “santas buenas”
E foi enveredando pra o galpão.

Quando chegava se sentia em casa,
Parece até que no borralho
As brasas reacendiam com a presença humana
Daquele tropeiro, amigo e companheiro.
Homem de fato, homem daqueles que já são escassos
Que nunca deixou mal um companheiro
Atado n’algum laço, sem esporear o cavalo que montava
E trepar por cima da morte se preciso fosse.

No canteiro da alma ele trazia
Cheiro de mato nativo da querência.
Em cada remendo daquela bombacha
De muitas tropeadas, daquela camisa
Já sem gola, quarada a suor tropeiro,
Ele retratava o chão donde nasceu.
Conhecia palmo a palmo, andava de noite
Como se fosse dia.
O seu cavalo conhecia tanto,
Quem sabe mais até que o próprio dono,
Por isso os dois andavam
Naquele entono de taitas campo fora.

Manecão do Mundo se chamava.
Respeitado por todos, pelos domadores,
Pelos esquiladores, pelos aramadores.
Era um testamento em manuscrito, apesar dos pesares.
E se atirassem uma gaita de botão naquelas mãos
Curtidas a serviço, acostumadas a orelhar potros
E a segurar na sedeira dos buçais, fazia a gente chorar,
Lembrando tudo que o tempo não devolve nunca mais.
Contava causos de arrepiar o pelo,
Alguns acontecidos com ele próprio,
Outros, parece que “desencravava”
Do baú grande do tempo:
Da avestruz nanica; do boi de três patas;
Da cobra grande que comia gente,
E aquela do “ai, morena, morena, ai”;
Da moça de branco que pulava na anca do picaço
E muitas outras...

Por que estão escassos homens desse tipo?
Que faziam tudo com gosto e capricho,
Sem nunca amanhecer de lombo duro,
Nem se esquivar da lida que o dia-a-dia
Da estância exige.
Às vezes, mal chegava do campo, o patrão já esperava
De cavalo pronto, pra outra empreitada,
Era só cortar um naco gordo,
Trocar de cavalo e estava pronto para o que der e vier.
Manecão do Mundo se chamava,
Que Deus o tenha aonde estiver.


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